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20 de Abril de 2024
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    MPF/PA quer abrir caixa-preta dos créditos para assentados no sudeste do estado

    há 16 anos

    Procurador pede suspensão da liberação de recursos durante período eleitoral; no Incra, controle da aplicação é feito por porteiro.

    O Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) pediu à Justiça que determine com urgência mudanças nos procedimentos utilizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a liberação, fiscalização e cobrança dos créditos para trabalhadores dos 473 assentamentos do sul e sudeste do Pará, onde vivem 76,5 mil famílias em uma área total de 4,4 milhões de hectares. A Procuradoria da República em Marabá também quer que os recursos não sejam liberados pelo menos até o encerramento das eleições municipais para evitar que os valores sejam desviados para financiamento de campanhas.

    Segundo o MPF, nos últimos dez anos os assentados da região receberam em créditos da linha instalação (destinada à compra de insumos agrícolas, de sementes e matrizes animais e à construção de moradias) um total de 382 mil reais. No entanto, em vez de atribuir a fiscalização da aplicação dos recursos a especialistas, a superintendência do Incra em Marabá chegou a passar o serviço para um porteiro e um técnico de enfermagem da autarquia.

    Assinada pelo procurador da República Março Mazzoni, a ação civil pública foi ajuizada na Justiça Federal em Marabá na última quinta-feira, 12 de junho. A partir de levantamento em 99 investigações e processos que citam o Incra e que tramitaram nos últimos três meses pela Procuradoria da República em Marabá, o MPF constatou que 72% dos casos se referiam a má aplicação de recursos para assentamentos. "Desvios, superfaturamento, descontrole na aplicação, ausência de acompanhamento e corrupção são evidências constantes", afirma o procurador no texto da ação.

    Sistema falho - Segundo Mazzoni, as deficiências começam no cadastramento de trabalhadores que pretendem receber os créditos, feito no banco de dados do Sistema de Informações dos Projetos de Reforma Agrária (Sipra) do Incra. O MPF apurou que não há qualquer controle para o acesso a esse sistema, facilitando a inserção de dados de não-assentados e que os dados cadastrados são precários: só nome, CIC e RG, sem informações sobre aptidão para a reforma agrária, origem, parentescos e antecedentes.

    O sistema volta a falhar ao permitir que os presidentes das associações de trabalhadores controlem sozinhos e sem fiscalização a documentação para recebimento e prestação de contas dos recursos. Entre os 99 casos analisados, Mazzoni cita na ação cerca de 50 em que há indícios de que os presidentes de associações receberam os recursos e não os repassaram aos assentados.

    No assentamento Castanheira II, em Brejo Grande do Araguaia, por exemplo, apenas 33 casas das 63 financiadas foram construídas. Nos assentamentos Serra Azul, em Marabá, e Pajeú, em Novo Repartimento, os presidentes de associações simplesmente fugiram com os recursos recebidos.

    A forma como são feitas as compras também é criticada na ação, onde os procedimentos são descritos como "pseudolicitações". "Basta apresentar o preço do fornecedor selecionado e mais duas outras propostas, com preços maiores e, assim, a escolha está definida", explica o procurador. Segundo denúncias de assentados relatadas na ação, a ausência de regras mais rígidas torna rotineira a simulação de compras.

    Na ação, é citada declaração em que o próprio chefe do setor de crédito da superintendência do Incra, Ápio Miguel dos Santos Ghesso, admite a existência de um crescente mercado de pagamento de comissões para os presidentes das associações, responsáveis pela contratação das empresas. "A situação é tão grave que chegou ao ponto de alguns fornecedores solicitarem ao Incra que interceda junto ao movimento social, que vem cobrando comissões altíssimas para dar preferência a este ou aquele estabelecimento", informa o servidor da autarquia em documento incluído na ação.

    Porteiro virou fiscal - A fiscalização da aplicação dos recursos também é analisada na ação. "É precária, isso quando existe, o que é extremamente raro", registra Mazzoni. De acordo com o MPF, a conferência dos resultados da aplicação dos recursos é feita no escritório, apenas por meio da conferência de recibos e notas fiscais, sem a necessária visita ao assentamento. Em desconformidade com as próprias normas do Incra, a superintendência da autarquia em Marabá nomeou somente um servidor, em vez dos três exigidos, para compor a comissão de fiscalização dos créditos. E mais: designou o agente de portaria Ciro Antonio Melo e o auxiliar de enfermagem Osvaldo da Silva Nunes para serem fiscais. "Por razões óbvias a norma determina a designação de técnicos. O que aconteceu foram completos desvios de funções", diz o procurador.

    Além de não fiscalizar a aplicação, o Incra também não cobra dos assentados a devolução dos recursos emprestados. O MPF questionou a sede do órgão, em Brasília, sobre o total devolvido pelos trabalhadores. Em resposta, a autarquia informou que os pagamentos das parcelas vencidas são efetuadas mediante solicitação do tomador.

    "Isso significa que o Incra está há anos dispondo de algo que não lhe é disponível. O recurso é bem público e não pode ser desprezado senão em virtude de lei. Se a lei diz que são créditos, devem ser restituídos. Do contrário, seria doação", observa Mazzoni.

    Suspensão e mudanças - A ação tenta fazer com que o Incra gerencie os recursos de acordo com as normas e recomendações internacionais para o controle da corrupção. Além de mostrar a enorme distância que separa essas regras e as práticas de trabalho do Incra, Mazzoni cita indícios de utilização política dos recursos. Candidatos estariam utilizando a autarquia - e suas milionárias verbas não fiscalizadas - para conseguir votos nos assentamentos, o que levou o procurador a pedir a suspensão da liberação dos créditos enquanto durar o período eleitoral.

    Em relação à gestão dos recursos, além de várias mudanças necessárias a médio prazo, como o aumento da quantidade e qualidade de informações do Sipra, a publicação desses dados na página eletrônica da autarquia, a utilização de pregões e de pesquisas de preços oficiais e a cobrança dos créditos, o MPF lista na ação civil pública uma série de medidas urgentes que precisam ser tomadas pelo Incra para aumentar o controle e a transparência sobre os gastos:

    1) Criação de mecanismos que restrinjam o acesso ao Sipra a servidores previamente delimitados e certificados, com senhas pessoais intransferíveis;

    2) Levantamento, por agente público, das demandas de crédito, cuja liberação ficaria condicionada à certificação de projeto prévio, das condições locais para a instalação do projeto e de quais são seus atuais demandantes;

    3) A utilização, para a admissão de fornecedores, do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf), banco automatizado de informações que viabiliza o cadastramento de fornecedores de materiais e serviços para os órgãos da administração pública federal; e

    4) Realização de pagamentos somente após a confirmação real e efetiva da entrega do produto ou serviço adquirido e com a constatação feita por servidor responsável pela fiscalização.

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