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27 de Abril de 2024
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    PGR: violência contra a mulher é crime de ação penal pública incondicionada

    há 12 anos

    No julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4424), no Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira, 9 de fevereiro, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu que a Lei 9.099/95 não deve ser aplicada aos crimes cometidos no âmbito da chamada Lei Maria da Penha e, como consequência lógica, o crime de lesões corporais consideradas leves é de ação pública incondicionada. De acordo com ele, condicionar a ação penal à representação da ofendida atenta contra vários princípios constitucionais.

    Roberto Gurgel fez um contexto da época em que foi criada a Lei Maria da Penha. De acordo com ele, até 2006, o Brasil não tinha legislação específica a respeito da violência contra a mulher no ambiente doméstico. Segundo explicou, como as lesões daí resultantes eram consideradas de natureza leve, tais crimes passaram a ser regidos pela Lei nº 9.099/95, que instituíra os juizados especiais criminais para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo. A partir de então, também a persecução penal dos crimes de lesões corporais leves passou a depender de representação, por força do art. 88 da referida lei, disse.

    O procurador-geral trouxe o dado de que, após dez anos de aprovação dessa lei, cerca de 70% dos casos que chegavam aos juizados especiais envolvia situações de violência doméstica contra mulheres, e o resultado, na grande maioria, era a conciliação. De acordo com ele, a lei desestimulava a mulher a processar o marido ou companheiro agressor e reforçava a impunidade presente na cultura e na prática patriarcais. Tudo somado, ficou banal a violência doméstica contra as mulheres, declarou.

    Segundo Gurgel, a interpretação que faz a ação penal depender de representação da vítima importa em violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, aos direitos fundamentais de igualdade e de que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, à proibição de proteção deficiente dos direitos fundamentais, e ao dever do Estado de coibir e prevenir a violência no âmbito das relações familiares.

    Quanto à dignidade da pessoa humana, ele afirmou que condicionar a ação penal à representação da ofendida é perpetuar, por ausência de resposta penal adequada, o quadro de violência física contra a mulher, e, com isso, a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Há, ainda, nessa interpretação, uma outra vertente de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana: é quando reduz a violência à sua expressão meramente física, afirmou. Conforme disse, tal interpretação assenta-se num modelo biomédico, e não num modelo social de lesão corporal.

    Já sobre a ofensa ao princípio da igualdade, ele assinalou que não se pode afirmar que a interpretação contestada seja em si mesma intencional e diretamente discriminatória em relação à mulher. Apesar de aparentemente neutra, ela produz, como já visto, impactos nefastos e desproporcionais para as mulheres, sendo, por isso, incompatível com o princípio constitucional da igualdade.

    De acordo com Gurgel, a interpretação que condiciona à representação o início da ação penal relativa a crime de lesões corporais leves praticado no ambiente doméstico, embora não incida em discriminação direta, acaba por gerar, para as mulheres vítimas desse tipo de violência, efeitos desproporcionalmente nocivos. É que ela, por razões históricas, acaba dando ensejo a um quadro de impunidade, que, por sua vez, reforça a violência doméstica e a discriminação contra a mulher.

    Quanto à afronta aos arts. , XLI, e 226, parágrafo 8º, da Constituição, segundo destacou, foge a qualquer juízo de razoabilidade admitir que interpretação judicial da lei que veio em cumprimento a mandamento constitucional acabe por violá-lo, e é o que está a acontecer com a interpretação que exige a representação da vítima de violência doméstica para início da ação penal em crimes de lesões corporais tidas por leves.

    Para o procurador-geral, a interpretação que conclui pela necessidade de representação, nessa hipótese, está contra o espírito da Lei Maria da Penha, de por fim à situação de discriminação e violência contra a mulher no ambiente doméstico. Citando Stella Cavalcanti, ele afirmou que a renúncia ao direito de representar redunda em 90% de arquivamento das ações penais. É fácil imaginar a quanto chega o quantitativo de impunidade se se pensa no número de mulheres que sequer chegam ao ponto de representar.

    Ele disse ainda que, diante do reconhecimento de que o Estado tem o dever de agir na proteção de bens jurídicos de índole constitucional, a doutrina vem assentando que a violação à proporcionalidade não ocorre apenas quando há excesso na ação estatal, mas também quando ela se apresenta manifestamente deficiente. E finalizou afirmando que a ofensa ao princípio da proporcionalidade, sob o prisma da proibição da proteção deficiente, materializa-se, no caso, pelo empecilho à persecução penal nos crimes de lesões corporais leves cometidas no ambiente doméstico.

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