STF julga amanhã ADPF que pede extinção a Lei de Imprensa
O Supremo Tribunal Federal julga amanhã, 1º de abril, a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 130) proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) para pedir a impugnação daLei de Imprensaa (Lei 5.250 /67). O PDT argumenta que ela é incompatível com a Constituição de 1988 em razão de seu caráter autoritário e anti-democrático, e por não ser capaz de harmonizar os direitos fundamentais da personalidade (honra, imagem e vida privada) e da liberdade de informação. Em fevereiro de 2008 o Supremo deferiu parcialmente a liminar requerida pelo partido e determinou que juízes e tribunais suspendessem o andamento dos processos e os efeitos de decisões judiciais que tratam sobre matéria estabelecida em 20 artigos da Lei.
Em parecer enviado ao STF em dezembro do ano passado, o procurador-geral da República em exercício, Roberto Monteiro Gurgel, opinou pela procedência parcial do pedido e afirmou que a liberdade de expressão adquire papel central, na medida em que se torna substrato necessário para se garantir o direito à informação, corolário para se construir um Estado verdadeiramente Democrático de Direito.
Ele traçou um panorama sobre os diferentes tratamentos jurídicos dado à liberdade de expressão em alguns países ocidentais, citando como exemplos de visões extremas a Alemanha e os Estados Unidos. Na Alemanha, ele explicou, a Corte Constitucional enfatiza o princípio da dignidade humana, subordinando a liberdade de expressão à preservação da reputação, privacidade e intimidade das pessoas. Ele atribui a origem dessa ênfase ao histórico de violências cometidas contra os judeus pelo Terceiro Reich e à propaganda do ódio racial que culminou no holocausto e na 2ª Guerra Mundial. Em sentido oposto, a Suprema Corte americana garante uma proteção à liberdade de expressão sem precedentes no mundo assegurando que o Estado não deve intervir no conteúdo das matérias divulgadas.
Para Gurgel, o regime jurídico conferido à liberdade de expressão e informação na maioria das democracias ocidentais, incluindo o Brasil, é fruto de uma aproximação entre os extremos alemão, embasado na dignidade da pessoa, e norte-americano, estruturado na liberdade. Ele propõe que se adote no Brasil um modelo capaz de equilibrar os direitos à intimidade e à liberdade de informação.
Livre expressão - Embora tenha dado parecer favorável à impugnação de vários dispositivos da Lei de Imprensa , o vice-procurador-geral considerou inadequada a pretensão do PDT de pedir que toda ela seja declarada incompatível com a Constituição , classificando-a como um pitoresco pedido genérico. Lembrou que a petição inicial da ADPF deverá conter a indicação do preceito fundamental que se reputa violado, a indicação do ato questionado, bem como o pedido com suas especificações, e concluiu que as matérias que não foram impugnadas expressamente pelo argüente não podem ser sequer consideradas objeto da presente ação, o que inviabiliza a declaração genérica de que toda a Lei é incompatível com a ordem constitucional.
Segundo Roberto Gurgel, quando o caput do art. 220 prevê que a livre expressão não sofrerá qualquer restrição, salvo aquelas previstas na própria Constituição , não significa uma proibição à existência de norma infraconstitucional que estabeleça formas do exercício desse direito, pois garantir o livre fluxo de informações não significa ausência de regulamentação. Ele acrescenta que a existência de uma norma como a Lei de Imprensa , por si só, não viola o conteúdo semântico da proteção constitucional à liberdade de expressão e informação. Pelo contrário, reforça os fundamentos constitucionais relativos à preservação da intimidade e vida privada.
Constitucionais - O vice-procurador-geral considerou compatíveis com a ordem constitucional vigente o art. 1º , 1º; os arts. 14 e 16 , I que, na sua opinião, devem ser lidos como medida excepcional, nos moldes previstos no art. 136 da CF . Esses dispositivos dizem que não será tolerada a propaganda de guerra, a subversão da ordem política e social, preconceitos de raça ou classe, e a divulgação de notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados que provoquem perturbação da ordem pública ou alarme social.
Quanto ao art. 2º , caput, ele afirmou que deve ser dada interpretação conforme à Constituição para interpretar o termo 'moral e bons costumes' com o sentido de 'respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família' nos exatos termos do art. 221 , IV , da CR . O art. 2 diz que é livre a publicação e circulação, no território nacional, de livros e de jornais e outros periódicos, salvo se clandestinos (art. 11) ou quando atentem contra a moral e os bons costumes.
Os arts. 20, 1º e 2º; 21 e 22, segundo Gurgel, também devem ser preservados porque conferem sanções às violações ou abusos do direito de livre expressão do pensamento, e são, sobretudo, uma garantia de proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, em consonância com o art. 5º, X, da CR/88 . Essas normas estabelecem penas para os crimes de calúnia, difamação e injúria.
Inconstitucionais - O vice-procurador-geral opinou pela impugnação dos seguintes dispositivos, por afronta à Constituição de 1988:
Art. 1º, 2º - Sujeita à censura espetáculos e diversões públicas. Incompatibilidade com os arts. 5º , IX , e 2202º e 3º da CF .
Arts. 3º, 4º, 5º, 6º, e 65 Vedam a propriedade de empresas jornalísticas a estrangeiros. Afronta ao art. 222 da CF , que estabelece o regime jurídico da propriedade da empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
Art. 20, 3º e art. 23 - Não admite prova da verdade contra o presidente da República, presidente do Senado e da Câmara dos Deputados, ministros do Supremo Tribunal Federal, chefes de Estado ou governo estrangeiro e seus representantes diplomáticos, e ainda aumenta em um terço as penas se o crime é cometido contra eles. Segundo Roberto Gurgel os dispositivos são um vestígio de autoritarismo ditatorial, talvez até aristocrático, na medida em que busca colocar atores políticos a salvo da verdade.
Arts. 51, 52 e 56 , caput, parte final Estabelece a responsabilidade civil por negligência, imperícia ou imprudência do jornalista e da empresa que explora o meio de informação ou divulgação.
Art. 57, 3º e 6º Estabelece prazo de 5 dias para a contestação do réu e subordina a apelação ao pagamento de depósito igual ao valor da multa de condenação. Os princípios processuais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ficam arranhados pelos dispositivos em questão, afirma o vice-procurador-geral. Ele acrescenta que 5 dias é prazo muito exíguo, e vincular o recurso ao depósito integral da suposta dívida impede a ampla defesa.
Art. 60, 1º e 2º - Impõe restrições à entrada no Brasil de jornais, periódicos, livros e impressos publicados no exterior, que poderão ser proibidos por portaria do Juiz ou do Ministro da Justiça, e estabelece multas para os infratores.
Art. 61- Permite a apreensão de impressos que contenham propaganda de guerra ou de preconceitos de raça ou de classe, que promovam incitamento à subversão da ordem política e social, ofendam a moral pública e os bons costumes.
Art. 62 Prevê, além da apreensão, a suspensão da impressão, circulação ou distribuição do jornal ou periódico que reincidir na infração descrita no art. 61, assim como a extinção dos registros da marca comercial e de denominação da editora ou jornal em questão.
Art. 63 Em casos de urgência, permite que a apreensão seja determinada pelo ministro da Justiça, independentemente de mandado judicial.
Art. 64 autoriza a destruição do material apreendido pela autoridade judicial.
Os cinco artigos precedentes, segundo Roberto Gurgel, tratam de diversas medidas restritivas do livre fluxo de informações, em notória incompatibilidade com os arts. 5º , IX , e 2202º e 3º da Constituição .
Leia aqui a íntegra do parecer.
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